A História da Arte XXXII



Menção honrosa com especial carinho
por Rui Serra e Moura

Antes de mais, é forçoso pedir desculpa por nos meus três últimos textos, não ter conseguido introduzir nenhuma piada. Uma só que fosse. Ou das secas, ou das verdes, das parvas ou das recauchutadas pela enésima vez, não consegui encaixar sequer uma piada pequenininha. 

Isso deve-se não só à densidade da temática, só ao alcance dos ilustres de espírito, mas sobretudo à escassa coadunação dessas inclinações recreativas, com a erudição patenteada na lucubração e na redação desenvolvidas.
Nesse sentido, a título meramente ilustrativo, e saltando já para as conclusões, - porque quero ver se despacho esta treta antes das férias na Fonte da Telha, e ainda nem marquei a tenda na Caparica, nem arranjei a TV portátil prá mulher, nem as bóias prá canalha! -, posso desde já avançar que a ideia de a música ser uma linguagem universal, é uma tanga tão grande como as das brasileiras são pequenas…
(Peço desculpa – parece que confundi o EU erudito com o EU boçal. Vou tentar refazer).

O que queria dizer, é que um dos aportes que os trabalhos etnográficos musicológicos nos trazem, é que diferentes povos, representando naturalmente diferentes culturas, percepcionam, compreendem e reagem diferentemente, a uma mesma peça musical, seja ao nível dos intervalos tonais, ao nível das harmonizações, ou ao nível da construção rítmica.
Ou seja: o que uns entendem como etéreo e espiritual, outros entenderão como um apelo à guerra; o que uns entendem como glorioso e triunfal, outros simplesmente não entendem; o que uns entendem como belo e delicado, outros entendem como feio de ridículo.
Retenho até com especial carinho, a prosa de um bem conhecido escriba profissional da nossa praça, - aliás muito parecido com a imodesta personagem que jocosamente acima procurei personificar e ridicularizar -, que ao versar sobre a contemporaneidade civilizacional, nomeadamente no campo artístico, concluía escatologicamente que a humanidade regredia sem retorno, e que a música actual se parecia cada vez mais “com os primitivos batuques africanos”. 

Esta menção honrosa que repito, faço com especial carinho, por um lado ilustra na perfeição a tal visão etnocêntrica que nos é tão própria e familiar, e por outro demonstra como a ignorância preconceituosa, tolhe a compreensão da imensa riqueza das construções polirrítmicas …”dos primitivos batuques africanos”.
E podia ainda ridicularizar um pouco mais, ironizando sobre como a chamada música negra não teve qualquer influência, impacto ou aceitação mundial, ou sobre como ela é pobre e “primitiva”, mas prefiro reter e sublinhar esta exemplar personificação da visão etnocêntrica, e sobretudo a desconstrução do mito de que a música é uma linguagem universal. 
Não é.

Prometo retomar o tema brevemente.
Até lá.


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