Ter ou não ter? Eis a questão
por
Rui Serra e Moura
Se
estão recordados, aqui há umas semanas fui buscar rodelas e
gavetas, o meu avô e Júlio Verne, para acentuar o “salto
quântico” existente entre a realidade aí então retratada, e
aqueloutra descrita há três rubricas
atrás em “Era uma vez um banho”. Devia ser bom o vinho desse
jantar. Mas o que eu queria dizer é que enquanto hoje,
principalmente nos quotidianos mais urbanizados, temos um
acompanhamento musical quase permanente, no passado não assim tão
distante, a realidade era bem outra nesses mesmos quotidianos: as
populações não tinham nem muito, nem fácil acesso à música, que
só experimentavam ocasionalmente, ou em quadras festivas, ou em dias
de descanso, ou ainda aos serões nas famílias que tinham no seu
seio um amador jeitoso para a guitarra, para o harmónio, ou para o
bandolim - que isso do piano era abono de burguesias mais altas.
Daqui resulta que um bem que era
precioso, se tornou hoje imensamente comum e até vulgar. Melhor
dizendo, a extrema popularização - aqui entendida como disseminação
popular em variadas frentes - que a Música sofreu no século
passado, como que a vulgarizou ao ponto da banalização. Bem sei que
esta minha tese, apesar de todo o cuidado posto na escolha das
palavras, pode muito bem ser contestada. Mas parece-me evidente e
inquestionável que o facto de termos hoje um acesso híper-facilitado
à fruição musical, diminuiu em grande medida a preciosidade e o
“encanto mágico” com que percepcionamos a música. Isto mesmo
desenvolverei seguidamente. Até lá.
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