Menção honrosa com especial carinho
por Rui Serra e Moura
Isso deve-se não só à densidade da temática, só ao alcance dos ilustres de espírito, mas sobretudo à escassa coadunação dessas inclinações recreativas, com a erudição patenteada na lucubração e na redação desenvolvidas.
Nesse sentido, a título meramente ilustrativo, e saltando já para as conclusões, - porque quero ver se despacho esta treta antes das férias na Fonte da Telha, e ainda nem marquei a tenda na Caparica, nem arranjei a TV portátil prá mulher, nem as bóias prá canalha! -, posso desde já avançar que a ideia de a música ser uma linguagem universal, é uma tanga tão grande como as das brasileiras são pequenas…
(Peço desculpa – parece que confundi o EU erudito com o EU boçal. Vou tentar refazer).
O que queria dizer, é que um dos aportes que os trabalhos etnográficos musicológicos nos trazem, é que diferentes povos, representando naturalmente diferentes culturas, percepcionam, compreendem e reagem diferentemente, a uma mesma peça musical, seja ao nível dos intervalos tonais, ao nível das harmonizações, ou ao nível da construção rítmica.
Ou seja: o que uns entendem como etéreo e espiritual, outros entenderão como um apelo à guerra; o que uns entendem como glorioso e triunfal, outros simplesmente não entendem; o que uns entendem como belo e delicado, outros entendem como feio de ridículo.
Retenho até com especial carinho, a prosa de um bem conhecido escriba profissional da nossa praça, - aliás muito parecido com a imodesta personagem que jocosamente acima procurei personificar e ridicularizar -, que ao versar sobre a contemporaneidade civilizacional, nomeadamente no campo artístico, concluía escatologicamente que a humanidade regredia sem retorno, e que a música actual se parecia cada vez mais “com os primitivos batuques africanos”.
Esta menção honrosa que repito, faço com especial carinho, por um lado ilustra na perfeição a tal visão etnocêntrica que nos é tão própria e familiar, e por outro demonstra como a ignorância preconceituosa, tolhe a compreensão da imensa riqueza das construções polirrítmicas …”dos primitivos batuques africanos”.
E podia ainda ridicularizar um pouco mais, ironizando sobre como a chamada música negra não teve qualquer influência, impacto ou aceitação mundial, ou sobre como ela é pobre e “primitiva”, mas prefiro reter e sublinhar esta exemplar personificação da visão etnocêntrica, e sobretudo a desconstrução do mito de que a música é uma linguagem universal.
Não é.
Prometo retomar o tema brevemente.
Até lá.
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